terça-feira, 10 de abril de 2018

julgo para ser julgado

Bem direto o título. E até parece obvio se não lhes provocasse a uma reflexão. Venho acompanhando atentamente os passos institucionais e populares em convergência. Nem somente os repórteres estavam com aquela ofegante voz, dando o tom da importância da matéria Lula; não menos de 80 milhões de brasileiros falaram em algum momento dos dias 5/6.4.18 a palavra Lula, e independente da posição contra ou a favor, até poderia apontar que quem é contra fala mais de Lula dos que se declaram a favor. No contexto da última semana, o país claramente se dividiu em dois, nas ruas, nas empresas, nos departamentos públicos, nos municípios, nas instituições, nas famílias… o que caracteriza claramente que povoamos os níveis mais frágeis da democracia. Os meios mais difundidos diziam que esta prisão libertaria o Brasil.

Li muitos depoimentos e textos prós e contra Lula - é importante pra mim saber o que o povo brasileiro está falando - e por isso separei uma manifestação da escritora paranaense Caroline Acari, como ela mesma se define, nasceu de família conservadora em Curitiba, casou cedo com um homem rico, e não tinha mais que obrigações de mãe, esposa e integrante dos churrascos de domingo em família. Me conectei com Caroline pelas posições familiares e privilegiadas, pelo que a sua família interpretava e pelo que a minha família paterna me instigou a compartilhar, em relação aos negros e deseducados, em relação aos pobres e mau morados, em relação ao crime, aos moradores de rua e as drogas, em relação aos ambientes branqueados e as zonas irracionais das periferias, em relação a indiferença com tudo de "feio" que está ao nosso redor.

Um pouco antes, na semana santa deste 2018, quando fui a minha terra, Caém, no piemonte da chapada diamantina, o Brasil já estava armado. Caém é Brasil e por isso não pensa diferente. Entre vários encontros com a infância, a adolescência e com o mato que fez origem, na sexta-feira a noite se juntou a mesa enfrente a casa de um velho amigo uma turma de companheiros caenenses. A maioria já casados, de carreira em curso, de alguma forma bem adiantados, planeados, alimentados e motorizados. Todos ali, sem excepção, tivemos dignidade, oportunidades e família para saciar nossa fome, sede e outras básicas necessidades. Por um momento, que certamente chegaria, entramos no assunto nacional, nas questão que nos sufocava pelas indefinição: Lula deve ser preso ou não?

Começa o embate, vozes se exageram, o tom do encontro mudou. Me deparei com a nossa realidade. Um monte de branco interiorano, cheio de amor pra dar aos amigos e ódio a dar aos oprimidos. Até quando decidi usar minha voz para apontar o tom racista o qual estava a ouvir, quando ao mesmo tempo cada um tentava se defender da possível ofensa:

1. "mas eu não sou racista, trato todos os negros bem. agora essa balela de que negro merece privilegio pra entrar na universidade, pra ter uma vida digna, não me entra. Isso que é racismo…"

2. "claro, se a maioria nos altos cargos das empresas são brancos é porque os brancos se esforçaram mais, pergunta a seu irmão que é preto se ele já sofreu preconceito…" 
- meu irmão (que também estava presente e tem pele negra, disse:) - "sim, já sofri preconceito."

3. "negro não sofre preconceito, isso é migué pra roubar. os gays sofrem mais preconceito que os negros."

4. "isso é ilusão rafael, independente de ser preto, índio ou branco, o que vale é a criação, todo mundo é igual, nada de diferença de tratamento, se a pessoa não presta não é por causa da cor dele ou dela. e isso serve pra lula também, ele vem com essa conversinha de defensor dos pobres, mas não passa de um ladrão e tem que morrer na cadeia…"

5. "é isso mesmo, não tem nada a ver a cor da pele. tem gente que nasce pra ser vagabundo…"

etc…

No ato, tentei responder todas essas afirmações, reafirmando que eram justificativas e opinioes racistas, originarias de todos os problemas que temos. E pouco a pouco fui percebendo que teria dificuldades em fazê-los entender e confessar isto. Ainda mais por que estávamos em grupo e ninguém queria dar o braço a torcer. Nossas famílias conservadoras e machistas nos educaram assim. Mas claro, como nossa cultura também nos ensinou a somente julgar os outros e/ou as outras situações que não nos pertencem, recebi de forma mais educada um foda-se grupal, como presente da opressão e injustiça as quais estamos discutindo bem ali. Claro, não seria aquele grupo unido de cinco ou seis brasileiros privilegiados em prol de uma tese que iria se redimir as minhas ponderações. Porém, a reflexão sobrevive. E por lhes conhecerem desde a infância naquela nossa minúscula cidade rais, tenho firme a ideia que após aquele debate sublime, cada um daqueles meus queridos amigos não se livrarão com facilidade das suas próprias consciências.

Observem. Nossa característica cultural primordial é o julgamento. Todo brasileiro acha que tem o DOM de julgar. É algo celestial. E finco meu relato nisto simplesmente por achar que esse é nosso maior defeito. É muito fácil encontrarmos pessoas indignadas por estar sendo julgadas, mas pode perceber que esta mesma pessoa exerce esbanjadoramente o papel de julgador. Quanto mais se julga,  maior é a indignação quando se é julgado.

Temos, meu irmão e eu, mãe negra e pai branco. Família materna despolitizada e família paterna conservadora. Que fazer diante desses pilares? Para mim a solução foi simples, e digo isto após sofrer muito para encontrá-la, analisar a relação entre minhas próprias famílias; a relação, não entre minha mãe e meu pai que é ótima pelas peculiaridades do amor e da convivência sob o mesmo lar durante mais de trinta anos, mas entre a família de minha mãe e a família de meu pai ou a relação entre a família de meu pai e a família de minha mãe. Das faíscas e distúrbios compulsórios provocados pelos geradores de milhões jovens como meu irmão e eu, está a explicação para o maior e principal problema do nosso país. A injustiça, o preconceito e a opressão.

E é aí que Lula entra. Mediante infinitos atos e acontecimentos, desde o início de nossa breve história colonizadora, pelo menos nas minhas memórias e pesquisas históricas não aparece nenhum líder político importante que se preocupa com os importantes temas supracitados a não ser Lula. Estou seguro, é por isso que ele está preso.

Lula foi presidente da república e se omitiu em muitos pontos estratégicos, e por isso pondero minhas posições criticas sobre este sistema partidário corporativo, sobre esta constituição remendada, sobre este sistema tributário cruel com os mais pobres, sobre esta implosiva forma de construir representantes corruptos, sobre estas instituições públicas republicanas empoderadas pelo nobres sobrenomes do Brasil império, sobre o coronelismo que ainda reina nos municípios do norte-nordeste, sobre o super poder e incitação ao ódio da mídia hegemônica, sobre o fenótipo burguês paulistano que fede a perfume francês, sobre o culto ignorante as práticas inumanas estadunidenses, sobre a cultura de dar as costas ao nosso próprio continente e as culturas centro e sulamericanas, entre vários outros aspectos repudiantes. Muitos deles Lula ignorou por respeito a classe dominante ou por inocência. Mas agora não.

Agora Lula acordou, sua idade o encorajou a enfrentar os maiores problemas do Brasil. Sua voz rouca porém nítida e ouvida ecoa o que é de mais importante, grave e relevante. E lhes informo, não será calada pelos que defendem a livre expressão só para uns e para outros não. A voz de Lula está nas ruas, não por todos mas pela maioria que forma opinião.

E para mim virou questão honra defender o símbolo, e não apenas a pessoa Lula. Até por que não o conheço pessoalmente. O defendo, simplesmente, por não suportar mais ver nem ouvir falarem dos estereótipos vis: do ladrão e do honesto, do rico e do pobre, do burro e do inteligente.

Rafael Muricy